quinta-feira, 8 de maio de 2008

O CONTO DE EMILIO parte final

O CUMPRIMENTO DO PLANO

“Bom dia, querida...
Me encontre na piscina ‘B’ do clube hoje após o minha
aula de natação às 5:30!
Te espero com muitos beijos deliciosos
pra te dar!
De seu namorado...
Dioser.”
P.S. use essas vendas.
Você vai ter uma surpresa...”

Emilio ficou escondido atrás da lanchonete na hora do recreio vendo Alessandra ler o bilhete que ele escreveu, fingindo ser Dioser, e depois plantara em sua bolsa. Após ler o papel, a mala cabeluda cheirou-o com ternura e pegou as vendas negras com um sorrisinho descontraído no rosto. “Ela nem perde por esperar!” murmurou Emilio excitado ao ver que a primeira parte do plano havia corrido perfeitamente.
Emilio havia preparado o plano nos mínimos detalhes. Passara e repassara os detalhes na cabeça inúmeras vezes para se certificar que não ficara nenhum furo. – Qualquer coisa que saísse errada poria tudo por água abaixo, e mais, poria ele, Emilio, em maus lençóis. – além do que, Emilio não queria se meter com a policia!
Emilio nem quis almoçar direito aquele dia. – já não comia normalmente há semanas, mas aquele dia, especificamente, só ficara brincando com a comida no prato, deixando sua mãe irritada. “Coma direto, meu filho! Você está em fase de crescimento e precisa de todos os nutrientes necessários para que se cresça saudável e fique forte.” Emilio nem ouviu as palavras da mãe. Fazia tempo que ouvira pela ultima vez, quem quer que fosse; principalmente se era para lhe dar lições de moral ou para reclamar do seu comportamento.
A tarde transcorreu lenta e demoradamente. Talvez fosse pela ansiedade de Emilio, ou talvez fosse por que ele nunca reparara que uma hora inteira se continha em longos sessenta minutos, mas o fato foi que as 4:00 horas daquela tarde pareceram um dia de fome para ele.
Com a sunga de banho sob a bermuda e a mochila às costas ele saiu de casa apressado, chegou ao clube em tempo recorde e esperou que a aula se efetuasse normalmente, - “que demora!” – para que depois, finalmente, posse seu plano em andamento.
Dioser pareceu mais distante que nunca naquela aula de natação. Mesmo estando brigados, ele ajudava Emilio a se aquecer com indiferença – todos os colegas ajudavam um ao outro a se aquecerem antes do inicio da aula. – mas naquele dia ele sequer chegara perto de Emilio, e quando o treinador disse para ele ajudar Emilio a se aquecer, ele respondeu com grosseria que já estava se aquecendo com Pedro Glaggo, um menino gordinho e que em todas as aulas arrumava uma maneira diferente de se afogar, sempre do lado mais fundo da piscina que tinha cerca de 5 metros de fundura. Obrigando os colegas a salvá-lo incansáveis vezes.
Passada a aula, todos os nadadores foram embora e a piscina ficou deserta. Alessandra chegaria em meia-hora e Emilio tinha esse tempo para se preparar; física e psicologicamente, para fazer a coisa toda acontecer.
Ele demorou cerca de 15 minutos para levar a pedra de concreto que tapava a tampa da boca de um bueiro de esgoto que ficava atrás dos vestiários. A pedra era muitíssimo pesada e o fez suar um bocado. A corda que usaria para amarrá-la à presa também já estava posicionada e ele tirava a rosa vermelha que usaria em seu plano de tirar Alessandra de seu caminho quando viu sua cabeleira loura à portaria do clube.
Ele teve poucos segundos para se esconder atrás do tubo-água antes de vê-la pôr as vendas e ir tateando rumo à piscina. Por sorte ela não havia visto a pedra de concreto nem a corda.
“Dioser!” Emilio ouviu-na chamar. “Dioser, meu amor onde está você?” A idiota tateava o nada com as mãos à frente e estava quase caindo na piscina quando Emilio conduziu-a ao altar do sacrifício: o lugar onde o plano seria consumado. “É você, meu namorado querido? Ainda não sei se te perdoei daquilo tudo que você me disse ontem! Não pense que vai me enrolar!” perguntou ela quando Emilio a puxava pelo braço. “Que mistério todo é esse, hein? Você não pretende me pedir em casamento, né? Estou muito jovem para isso!” grasnou ela estupidamente. Emilio não sabia o que Dioser tinha visto de atraente naquela garota simplória. Era dele que Dioser gostava, e Emilio sabia disso assim como sabia que o dia anterior ao domingo é o sábado.
Emilio não podia dizer nada, senão se denunciaria. Ele, então, começou a colocar o plano em pratica; queria terminar com aquilo o mais rápido possível!
Emilio começou a beijar o pescoço da menina eroticamente. – creiam, aquilo foi um enorme sacrifício para ele! – depois, subindo lentamente, beijou-lhe a face, e a boca. – “Que nojo!” – a garota queria se entregar mais, parecia disposta a fazer o que Dioser (Emilio) quisesse. Emilio sabia que ela era muito safada, mas não imaginou que era tanto. Em poucos segundos ela tentava arrancar a camisa que Emilio usava ao mesmo tempo que desabotoava as calças.
Emilio se afastou dela por um instante, com certeza, com certeza mesmo, ele não queria fazer o que a garota estava pensando em fazer com ela. Emilio pegou a rosa no chão e começou a passa-la levemente pela pele sarnenta de Alessandra. Aquilo causou nela arrepios de frisson, Emilio imaginou que sua calcinha estava começando a ficar toda molhada agora.
Emilio se agachou aos pés da garota, que a essa altura respirava incontidamente como se tivesse corrido dez milhas. Emilio começou a acariciar seus pés e tornozelos. – estava pronto para dar o bote! – “O que você está fazendo aí em baixo, Dioser?” ele ouviu-a cacarejar quando deslizava uma das mãos para a corda que estava próxima. “O que você quer está aqui em cima. Vem aqui pegar, vem!”
Emilio sentiu mais ódio da desgraçada que nunca e, com um movimento rápido, laçou o tornozelo da garota com a corda. Agora ela estava presa pela corda à pedra de concreto. O plano corria perfeitamente bem; bastava um pequeno empurrão e tudo estaria acabado. Emilio estaria livre dela para sempre e Dioser seria só seu.
“Mas que diabos você pensa que está fazendo Dioser? Não acho graça nenhuma nisso. Quero ir embora!” a anta cabeluda começava a tirar a venda dos olhos – tudo estaria acabado – Emilio foi mais rápido que ela e baixou a venda preta cegando-a completamente. Plantou-lhe um selo na boca e com um murmúrio de “adeus”, empurrou-a para a piscina e para a morte.
A pedra de concreto colou no fundo da piscina em menos de um segundo e Alessandra, presa, começou a se debater afogando-se. Emilio não pôde deixar de soltar uma gargalhada de felicidade. Tudo o que ele planejara saíra perfeitamente bem. Bastava, agora, assistir à garota se debater, se congelar, afogando dolorosamente segundo após segundo. Emilio pode sentir a vida sendo varrida de seu corpo e foi surpreendido por um arrepio prazeroso na nuca. “Poucos segundos agora!” explodia ele de alegria. O sorriso diabólico estampado na face. “Poucos segundos e ela estará... morta!”
A garota não parava de se debater, a venda ainda sobre os olhos; a boca escancarada em um grito de socorro que ninguém ouvia. Sua pele branca parecia fantasmagoricamente sem vida dentro da piscina de águas azul-cristalinas. Ela estava presa dentro da água pela pedra que a encerrava lá dentro e de lá não poderia sair. Seu corpo jazeria ali para sempre. Mesmo depois de já a terem retirado e, com um velório triste e patético, a enterrado. Aquela piscina seria para sempre o monumento à sua memória infeliz. Um arauto à sua morte dolorosa e prematura. Uma lembrança muito feliz de um encosto que se desconjura das costas.
Mas ela não parecia querer morrer! Contorcia-se; gritava silenciosamente. Os cabelos longos flutuando agourentamente a sua volta. “Morra, desgraçada!” começou a berrar Emilio tomado de cólera. “Desencarne, entre na luz ou no que quer que seja. Abandone seu corpo carnal e viaje para o mundo paralelo. Descubra os segredos universais que há anos perturbam nosso universo. Liberte-se! Morra!”
Emilio ouviu alguém gritar a sua frente. O porteiro do clube com certeza ouvira a gritaria que ele produzira para induzir a morte da garota, e agora vinha correndo em sua direção, brandindo o cacetéte afobado. Emilio eletrizou-se de susto. Havia se esquecido totalmente do porteiro; a adrenalina de estar assassinando Alessandra se apossara dele de tal forma que havia esvaziado sua mente e alma. Por um segundo ele não era ele. Ele era a personificação mal!
Emilio passou a mão pela mochila e saiu correndo em disparada rumo ao portão dos fundos. – não podia ser pego.
Só quando chegou à praça de seu setor, quilômetros do clube, foi que ele parou de correr, o peito arfando, sentiu uma fincada em uma das costelas e, massageando-a caminhou em direção a sua casa. Tinha que parecer totalmente sano ao chegar lá; ou de outra forma desencadearia suspeitas quando a noticia de terem encontrado o corpo de sua colega de escola boiando na piscina, se espalhasse. – pelo menos ele esperava que ela, depois de todo aquele tempo, tivesse morrido.
Ele se jogou em sua cama e no exato momento em que a campainha tocou. Ele não foi atender. Sentiu um medo se apoderar dele; e se o porteiro o tivesse seguido até em casa e agora estava lá com a policia para leva-lo detido por assassinato?
Ele ouviu vezes desesperadas na sala e no segundo seguinte, Dioser irrompia pelo seu quarto, quase arrancando a porta das dobradiças ao passar.
“Alessandra! Alessandra!” era tudo o que ele dizia. A cor bronzeada de sua face se extinguira e ele parecia mortalmente preocupado.”Quem é Alessandra?” perguntou Emilio fazendo-se de bobo. “Minha namorada, ora você sabe quem é. Se suicidou!” explodiu ele parecendo insano. “Por minha culpa! Sim, sim, minha culpa” agora ele se balançava para frente e para traz sentado na cama. Emilio viu que a mãe ouvia, perturbadíssima, a conversa do filho. Ele fechou a porta com um chute.
Dioser, nos minutos seguinte, contou a Emilio que ele e Alessandra haviam discutido na noite passada e que ele, nervosíssimo, jogara na cara dela que não a amava; que na verdade amava a Emilio. Dioser contou também que ela se sentiu extremamente ofendida e fugiu, aos prantos, da escola que era onde estavam. “... prometendo se vingar!” terminou ele o discurso. “Mas ela se vingou de mim nela mesma. Acabei de receber uma ligação do clube e ela tentou se matar na piscina onde nós nadamos. Gritou que queria desencarnar e depois se atirou as águas com uma pedra de concreto atada aos pés.” Dioser parecia bem mais calmo agora que desembuchara.
“Mas ela morreu, diga-me, a Alessandra morreu?” perguntou Emilio com urgência.
“Não sei, não sei! Encontraram-na desacordada. O Seu Chico me falou que deu uma trabalheira pra tirar ela da piscina. Mas ela pode estar viva ainda, não é?” respondeu Dioser voltando a parecer abalado.
Emilio começou a consolá-lo passando a mão por sua nuca. Os dois foram se aproximando lentamente. Tão lentamente que Emilio pôde ver as lágrimas que marejavam os olhos do amado. Os olhos imensos de Dioser piscaram para os olhos de Emilio e ele sentiu um fio de ternura atravessar seu coração. Ele amava Dioser, e não havia nada que pudesse mudar isso. Ele não escolhera, tampouco tinha a opção de sentir esse amor ou não.
Ele sentiu seu rosto corar a medida que se aproximavam mais e mais. Logo sentiu grossas lagrimas brotarem em seu rosto também e ele sabia; Dioser sentia o mesmo por ele. Não podiam fugir desse amor. Não podiam fingir que não o sentiam, era mais forte que eles, era o intenso teor de suas almas; era a concretização da humanidade e do bem.
Um beijo irrompeu com o suave toque dos lábios e o calor e o conforto inundaram o ser de Emilio. E era como se ele já não fosse só um, mas sim como se sua alma tivesse encontrado a parte há muito perdida. Mais forte mais viva, sentia-a mais intensamente dentro de si. Ao afastar dos lábios o frio penetrou o corpo de Emilio; ele já não mais sentia o conforto e suas almas já não eram mais uma.
Ah, como ele queria que aquilo durasse para sempre, mas não podia. Ele encarou a face de Dioser e esse sorria em meio ao rio de lágrimas. A cor voltara ao seu rosto. Ele voltara a ser a pessoa por quem Emilio se apaixonara.
...
O suposto suicídio de Alessandra convenceu a poucos. Logo, por toda a escola corriam boatos de que ela havia sido atacada, queriam matá-la, diziam. Não demorou para que Dioser fosse apontado como o principal suspeito. A noticia de ele tinha brigado com a vitima um dia antes do incidente, provocou falatórios um tanto exagerados. Houve quem jurasse que ele havia contratado um assassino profissional para ceifar a ex. Houve também que também quem garantisse que ele fizera o trabalho sujo sozinho. “... depois de virara gay, agora é capaz de fazer qualquer coisa!” cacarejavam as más línguas pelos corredores da escola.
No final de alguns meses um inquérito havia sido montado e Dioser seria julgado por homicídio doloso. – quando se há a intenção de matar. Emilio não conseguia ver o namorado sendo acusado injustamente de um crime que não havia cometido, mas tampouco, conseguia confessá-lo.
Dioser foi julgado e pegou a pena de 22 anos em regime fechado. “Você só vai cumprir uma parte da pena!” tentara consola-lo Emilio. Se sentia o pior dos homens.
Os anos se passaram e Emilio nunca faltou a uma visita à penitenciária. O dia em que Dioser seria liberto por bom comportamento se aproximava e um Emilio 11 anos mais velho esperava, excitado, o dia de ir buscar o amado do lado de fora da cadeia. – o vôo para a liberdade.
O dia chegou e ao vê-lo do lado de fora daquelas grades e portões, Emilio não pôde deixar de se emocionar. Abraçou Dioser apertado e lhe beijou com urgência. Começariam uma nova vida longe de tudo e de todos. Enfim, depois de tanto tempo, Emilio conquistara o que tanto sonhava; Dioser era só seu. O preço fora caro, mas agora, conquistariam todo o tempo perdido. E mais uma vez, Emilio se sentiu aquele menino que se sentava à porta de sua casa para ver o vizinho bonitão entrar e sair de casa. Ele ainda o amava, tão forte e mais intensamente que naquela época. Agora, Dioser era só seu!


FIM